Na maioria das vezes contamos histórias quando somos convocados por ela, não ao contrário – e o texto de hoje é sobre isso
Quando entrei na galeria A Pilastra para visitar a exposição Superfície Sensível – uma coletiva com as artistas Cris Akanni, Raýza de Mina e Pamella Wyla, com curadoria de Gisele Lima – senti algo diferente. Olhei para aquela história como se eu estivesse dentro dela, não como uma narrativa alheia. Eu não era uma mera espectadora, não tinha como ser.

Completamente atraída pela obra Só nós, de Cris Akanni, paralisei. Parece que fui atravessada por muitas camadas de tempo e revisitei na penumbra de um entardecer meus ancestrais. Na galeria senti o mesmo que sinto toda vez que penteio os cabelos da minha filha – Minhas lágrimas se misturam à água do chuveiro enquanto faço da minha emoção metáfora no vapor do banho quente toda vez que desembaraço seus cabelos molhados e ela, os meus.
Sinto-me convocada a compartilhar. Eu não nasci sabendo ser mãe, muito menos entendendo o que é a potência de ser mulher. Hoje, apesar de ter dois filhos, continuo sem saber de muita coisa. O pouco que assimilo dessa existência foi aprendido nas superfícies sensíveis da minha pele e dos meus cabelos. Sim, dos meus cabelos. Trata-se de um rito potente e com muitas camadas de comunicação, que repete-se através dos tempos, fio a fio de cabelo conectando almas.
Como se estivesse embriagada, dei um giro rápido e desajeitado bem no meio da galeria. Me vi espelhada em todas aquelas artes, chorei as lágrimas dos olhos que não foram pintados. Fiz uma reza de proteção e agradecimento rendida a todas aquelas imagens nas imagens.
Trago, então, as Mulheres que correm com lobos para matutar um tico junto comigo. “A mulher selvagem é a saúde para todas as mulheres. Não importa a cultura, a época, a política, ela é sempre a mesma. Seus ciclos mudam, suas representações simbólicas mudam, mas na sua essência ela não muda. Ela é o que é e é um ser inteiro. Ela abre canais através das mulheres “, Clarissa Pinkola.
Aqueles retratos reunidos me lembraram da selvagem que sou, somos – apesar das amarras sociais. A curadoria faz emergir muitas narrativas, perguntas e, também, acolhimento. Acredite, muito afeto e acolhimento em meio a uma descomunal força feminina. São muitas as histórias, inventadas ou não, todas únicas, mas nenhuma isolada. Fio a fio de cabelo, estão todas conectadas.



Demorei a escrever e compartilhar esse texto, mas repito. Me senti convocada a escrever. Mesmo que seja uma fala retórica e não haja mais tempo de você ir até lá, a história foi contada. A história empodera. A história não pode ser apagada.
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