Minhas criaturinhas se exaltaram ao entrar no jogo – proposto pelo curador Wagner Barja – entre a literatura de Julio Cortázar e a arte de Cirilo Quartim

Na terça-feira, 4, visitei a exposição Cronópio, uma idividual do artista Cirilo Quartim, com curadoria preciosa de Wagner Barja. A mostra, que teve início em março, continua aberta ao público até o dia 6 de maio, na Galeria Trama – Fundação Athos Bulcão. Estou ansiosa para contar como foi o encontro dos meus cronópios com a Cronópio.

Eu já era crescida quando descobri que O jogo da amarelinha não era brincadeira de criança. É necessário um certo nível intelectual e intimidade com as palavras para quebrar a linearidade do tempo, misturar estilos e construir um realismo mágico. Certamente, esta é uma das obras mais conhecidas de Julio Cortázar, autor argentino que, por [não] acaso, faleceu apenas quatro meses antes do meu nascimento. E, claro, como o nonsense flerta comigo desde sempre, Cortázar é uma porta que abri por curiosidade e nunca mais foi fechada.

Isto posto, a amarelinha estava lá, bem no meio da galeria, muito bem inventada e esparramada pelo chão por Cirilo, convidando os espectadores para brincar naquele universo fantástico proposto pela exposição.

Cale-se, de Cirilo Quartim

Além do Chronus

Só depois de pular amarelinha fui ler o texto curatorial e me aprofundar nas estranhezas de Cirilo. E tinha muita poesia visual pela frente. A exposição reúne 13 trabalhos, entre instalações, pinturas, fotografias, objetos, videoarte e registros de intervenções urbanas. 

Destaco uma frase de Cirilo no vídeo da obra Dinheiro em árvore: “O sistema rouba nosso tempo”. 

Alí, eu estava fugindo do sistema, como em algum tipo de país das maravilhas. Naquele passeio, não fazia o menor sentido olhar para o relógio. Pra que querer saber que horas são? [Alguém pegou a referência a minha diva Maria Bethânia nesta fala].

Dinheiro em árvore, de Cirilo Quartim

O encontro as paralelas, de Cirilo Quartim
A__tração, de Cirilo Quartim

Cara ou coroa, de Cirilo Quartim

Criaturinhas

De acordo com a definição apresentada na própria exposição, “cronópio é um tipo poético,  imaginativo e sonhador”. Suspeito que isso é o que torna o meio artístico tão encantador, há cronópios por toda parte. Você também é um deles? E mais, em palavras do próprio Cortázar, cronópio é uma criaturinha verde e úmida, mas nunca se teve muitos detalhes físicos sobre elas.

[Acrescento, cronópios vivem muito bem nas profundezas do meu Jardim. Como amo criaturinhas inventadas!]

A flor como matéria 

Por fim, destaco mais um texto de Cortázar que assumiu papel fundamental na expografia. E, mais, me despertou o desejo de resposta. Só não sei se respondo exatamente ao Cirilo, ao Barja, ao Cortázar ou aos cronópios. 

Um cronópio encontra uma flor solitária no meio dos campos. Primeiro pensa em arrancá-la, mas percebe que é uma crueldade inútil, e se coloca de joelhos junto dela e brinca alegremente com a flor, isto é, acaricia-lhe as pétalas, sopra para que ela dance, zumbe feito uma abelha, cheira seu perfume, e deita finalmente debaixo da flor envolvido em uma enorme paz. A flor pensa: “É como uma flor”. (Cortázar, 215, p.126)

Em resposta imaginária, digo que não sou flor, não sou inocente, não acho que o contemplar seja suficiente. Experimento a necessidade do encontro com a matéria e todo o entusiasmo das flores em minhas mãos. Arrancar, despetalar, prensar, martelar… Meus verbos são, muitas vezes, cruéis, eu sei. É a partir da destruição ou aprisionamento da própria matéria que minhas mãos corroboram alguns processos artísticos. Não se trata do que eu quero dizer com isso, o grito da natureza que já está ali, eu apenas escavo para libertar.

SERVIÇO:

EXPO: “Cronópio”, de Cirilo Quartim

CURADOR: Wagner Barja

ONDE: Galeria Trama, na Fundação Athos Bulcão

ENDEREÇO: W3 Sul 510 Bloco B Loja 51, Asa Sul, Brasília – DF.

VISITAÇÃO: Até 6 de maio, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, e sábado, das 9h às 14h. 

ENTRADA: gratuita

ACESSIBILIDADE: com acessibilidade para cadeirantes e textos expositivos em Braille

INFORMAÇÕES: (61) 3322-7801 ou 99530-8031.

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