Você está sendo apagado, esquecido, manipulado e copiado – violentado
Dona Fausta – apagada. Santa Sebastiana – apagada. Heleni Teles Gariba – apagada. Inês Maria Serpa de Almeida, vulgo Martinha – apagada. Alcides Yukimitsu Mamizuka – apagado. Menininha Wilnês – apagada. Pele cor de canela – apagada. Pintos – apagados. Indígenas – apagados. Idosos – apagados. Estupradas – apagadas. Cores e sabores – apagados. Memórias – apagadas. Identidade – apagada.






A arte não está apenas no encontro com a matéria, mas, principalmente, no que reverbera depois que as pessoas saem do museu. Essa provocação é o que encontrei na exposição Obra Xerox, no Mab – Museu de Arte de Brasília. A mostra teve início em fevereiro e permanece aberta ao público até 30 de abril. Com curadoria e coordenação de Suyan de Mattos, texto de Clarisse Tarran, expografia de Gisele Lima e Gisel Carriconde Azevedo e obras de 35 artistas, a coletiva exige fôlego para lidar com a própria inquietação entre tantos universos em colisão.
Fica claro que o projeto se apropria do conceito da Arte Xerox, mas não se deixe enganar pelas flores. A expografia até começa com o humor de Eduardo Mariz e Cirilo Quartim, passa pela ludicidade de Sofia Rodrigues e encontra com a poesia de Cora Coralina na obra de Marcelo Calango. No entanto, há acúleos por toda parte, provocando estímulos e dores agudas.




Não se trata de duplicar, mas de apagar. Estamos sendo devorados por nossas próprias imagens, é nisso que penso – claro que lembrando de todos os conceitos do livro A era da iconofagia, de Norval Baitello Junior (mas não é ele quem vai matutar comigo hoje).
Matutando
Olhando para o todo, as matutas começam a surgir. Arte Xerox também é magia. E quem veio matutar comigo desta vez é Vilém Flusser. “O lado ontológico, deontológico e técnico da magia pode ser visto por nós, mas não pelo mágico. Mas uma vez vislumbrada a distinção tripartite surge um problema de segunda ordem, o da relação entre os três aspectos”. (Flusser)
Essa relação é a nossa história. Lembro que quando li a primeira vez que “somos escravos das máquinas”, algo mudou e nunca mais voltou ao que era antes. O filósofo foi um dos primeiros a entender o papel da imagem na sociedade – textos importantes e atuais.
“A maioria da humanidade não trabalha. Serve de instrumento para o trabalho de outrem. Em tal alienação não está interessada nem em epistemologia, nem em ética, nem em metodologia. Não quer saber nem como o mundo é, nem como deve ser, e a ideia de querer mudar o mundo não lhe ocorre. A maioria da humanidade participa da história passivamente: sofre.” (Flusser)
Eita!
Termino de passear pela mostra sem respostas, mas com muitas inquietações. Como é a vida mais que humana? Bem que Flusser ainda poderia estar vivo para tomar uma breja no bar e matutar comigo sobre os digital twins, inteligência artificial e outras contemporaneidades que nos copiam e aprisionam.
Você está sendo copiado, apagado, esquecido e manipulado – violentado. E talvez você nem saiba disso.

SERVIÇO
EXPOSIÇÃO| ObraXerox
CURADORIA | Suyan de Mattos
TEXTO: Clarisse Tarran
ONDE | Mab – Museu de Arte de Brasília
ENDEREÇO | SHTN, trecho 1, Projeto Orla, polo 3, lote 5, Brasília-DF.
VISITAÇÃO | Até 30 de abril de 2023
ENTRADA | gratuita e livre para todos os públicos
ARTISTAS | Alici Ricci, Amanda Naomi Yuki, Ana Lídia, André Amahro, Biophillick, Brida Abajur
Chungtar López, Cintia Falkenbach, Cirilo Quartim, Cláudio Carpente, Cuca, Edi Oliveira, Eduardo Mariz, Fiamma Viola, Gastão Debreix, José Arcanjo, Julie Brasil,Lea Juliana, Leopoldo Wolf, Ligia de Medeiros, Marcelo Calango, Marco Mendes Rabello, Marianne Nassuno, Maria Helena Leal Lucas, Moreno Lago, Rafael Marques, Raylton Parga, Roberto Carrillo, Sofia Rodrigues Barbosa, Suyan de Mattos Thalyson dos Anjos, VahMirè, Vanessa Liberato, Wilnês Henrique e Yan Mariano
No responses yet