Estou aqui no Vilarejo 21, em estado de residência artística. Saio de casa disposta a me despir de mim para me vestir do outro. Vindo pra cá, esse caminho, a estrada, a distância, a mudança da paisagem… tudo importa.

E mais, tenho tido o privilégio de dividir a estrada com dois artistas maravilhosos. Carro chega a ficar pequeno para tanta energia. Os universos do Yan Mariano e da Taís Aragão são imensos e posso sentir a vibração deles junto comigo nessa mudança de cenário. 

Especificamente, sábado passado, dia 13 de maio, fizemos uma atividade de imersão, proposta por Lélia Lofego, no universo dos Nacirema – mesmo que aquele texto tenha sido um espelho, a ponto de eu achar que era uma pegadinha interna da antropologia, ou uma crônica, ainda assim, me tirou do que sou. Depois, experimentamos a proposição de mergulhar no universo de um colega residente por meio do texto do outro, calçando os sapatos do outro.

Ainda como parte do estudo, caminhei entre objetos curados pela Lelia e sua irmã Letícia (a mestre dos sabores), pelas memórias delas. Inconscientemente, vaguei por universos distantes. Onde, hoje, com olhar retroativo, não me reconheço. Que bom que rolou uma dança das cadeiras e aqueles objetos foram parar nas mãos de outra residente.

Existe o acaso. O universo vibra muito forte. Não adianta tentar fugir. Até porque, mesmo que a gente não esteja conectado com esse campo, ele existe e estamos imersos. Aceito e abraço o acaso.

Falando nisso, adivinha o que aconteceu? Fui aterrada de novo.

Na dança das cadeiras, houve uma porrada bem dada, direto no meu estômago.

Como assim?

Tinha um vasinho de barro, bem na minha frente. Esses vasos fofos para uma flor pequena.

O que me fez lembrar de que sou uma jardineira. Engenhosa? Sim. Tenho proposto o cruzamento de espécies, criado novas variedades. Mas, ainda assim, uma jardineira.

Epifania que fala, né? Opa, voltei ao meu lugar.

Olhei pra a Raé, cujos objetos tive que assumir como meus. Ela acabou tornando-se uma analogia e uma figura de linguagem.

Hum…. Hesitei…

Me armei. Peguei um martelo. Me coloquei na defensiva. Qual é? Está querendo me aprisionar? Já passei de fase. Me libertei. Meu jardim é um lugar de delícias melancólicas e não de aprisionamento. 

Destruí o vaso!

O martelar que quebrou um vaso foi pouco. Busquei seu par na mesa das irmãs e continuei a esfarelar a matéria, empoeirar-me por imensurável tempo adicional.

Fiquei sentada olhando pra esse pó. Olhando para o pó. Qual é a filosofia própria da terra?

Tentei combinar objetos, falhei empoeiradamente.

Continuei a olhar para o pó e senti uma tranquilidade imensa por voltar para minha pesquisa atual, um jardim enlameado e todas as suas sensibilidades – ainda assim, um jardim, meu jardim. 

Há uma frase que tenho repetido várias vezes, que escrevi e deixo ali do meu lado, ao lado, por perto:

Contando a poeira da terra, aplico sobre minha própria pele e sobre a pele do outro uma outra pele que “de tal modo havia conservado a umidade do barro maleável de seus rios”.

Alí no meio há uma combinação de palavras de Proust. Mas já é outra história. Minha relação com e ele vai longe…

É isso, sigo contando a poeira da terra.

Contando a poeira da terra.

Contando a poeira da terra.

Sim, é possível contar a poeira da terra. Estou contando.

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