Leia o texto que a antropóloga do Vilarejo 21 escreveu para minha individual
Realizar uma exposição individual tem me colocado para dançar de bochechas coladas com uma série de sensações estranhas. Ler o que alguém escreveu sobre mim é uma delas. Rubor na face, frio na barriga, crises existencialistas e ansiedade renovada dia após dia. Em parte, porque, por formação, sou jornalista. O que sempre me deixou nos bastidores da narrativa. Gosto de contemplar o outro por meio do ofício de escrever.

Agora, no campo expositivo, me vejo do outro lado do tabuleiro. Convido e endosso um outro alguém a escancarar minha intimidade em um texto curatorial. Lelia Lofego (Vilarejo 21) é antropóloga, com humor e sarcasmo elaborados na sobreposição de muitas sutilezas. É ela quem assina o texto curatorial para a minha individual RIO, na mostra de individuais simultâneas PELE BARRO PEDRA GRAFITE RIO.
Lelia vai além de propor uma hipótese que dê conta do conjunto das minhas visualidades. Ela vai além de uma forma de organizar o espaço expositivo e propor um viés de leitura. Ela expõe a poesia que me contém.
Deixo aqui meus agradecimentos mais sinceros e cordiais saudações à Lelia. Que texto foda! Que mulher!

Deleite-se com o texto a seguir:
PELE BARRO PEDRA GRAFITE RIO
Triz de Oliveira Paiva
“Rio seco bebe de muitas fontes”, Triz
Primeiro conheci Bia, aquela que comia livros, páginas e páginas amareladas de Proust em busca do tempo perdido. Adolescente, 15 anos. Há pouco conheci Triz, essa do rio seco, barro vermelho, morte e vida Severina. Velha, 150 anos. Coabitam em Beatriz seus heterônimos.
Da concretude dessa poesia,
Pele. Barro. Pedra. Grafite.
e Rio
O rio está secando. Para onde vai o rio?
O rio? Está no barro.
Triz é o barro que é feito do rio, leito seco, nascedouro de líricas e (in)conformadas
rachaduras, garimpo de outros ouros.
“Agora eu morri. Vamos ver se eu renasço de novo”, Clarice Lispector
Como parte de uma poesia concreta, a série Rio Seco traz em si a contradição do que habita, ruptura com a ordem que não há, rio-pessoa: Seco; rio-sagrado: Profanado. Como poesia concreta formada no leito de uma página, Rio Seco é pensado por Triz no deleite dos gestos de suas mãos, de seus olhos de ressaca, e do acúleo na garganta, sem voz, moldando e olhando, dia após dia, o rio ser barro, o barro encharcar-se de rio. Como a prender, em uma ampulheta, o tempo a correr lento, grão a grão, para ver o rio secando no barro, o rio a morrer.
Mas isso ainda diz pouco…
Triz nos leva a descobrir densas camadas poéticas pelo avesso, tantas flores nascem da lama, do pântano, do lodo… Para mergulhar em seus rios secos, em seu corpo-rio, é preciso lhe dar as mãos e aceitar que ela lhe leve a camadas mais profundas, em verticalidade labiríntica, longe da superfície polida de uma pétala, de águas mansas, ou de um sorriso cordial, é descer fundo para ver raízes-acúleos, deuses-répteis comedores de homens mumificados vivos, sementes-fetos embalsamadas, brinquedinhos enlameados, sarcófagos “letais e degenerativos”, cica-trizes. As redomas e o que nelas há sufocado. O lúdico e, ao mesmo tempo, o horror. Triz trouxe sokushinbutsu para o contemporâneo, velha prática japonesa de embalsamento de monges shingon, ainda vivos. Mumificou árvores, rios e infâncias, criou uma arqueologia em formatos mínimos, para dizer dados… “A cada piscar de olhos em 2022, 21 árvores na Amazônia estavam sendo derrubadas”, tantas infâncias matadas, tantos rios-pessoas afogados… e Bia sempre por um Triz. Como as árvores, as infâncias e os rios…
Lelia Lofego, Antropóloga
@vilarejo21


SERVIÇO:
ABERTURA DIA 25 DE AGOSTO – 19H
ESPAÇO CULTURAL RENATO RUSSO
508 SUL – BRASÍLIA/DF
3 Responses
Q delicia ler isso, amei escrever Triz! Amor proce!
Caramba
Profundo. Amei ler isso!